domingo, 23 de março de 2014

Psicologia, Cinema e Pipoca #7: A Janela Secreta

Um dos filmes que mais curti na última década, não apenas por ser uma produção despretensiosa e audaz, mas também por um bom elenco e uma boa história de suspense é A Janela Secreta. Lembro da sensação da primeira vez que vi o filme, da emoção e da surpresa, pois sem dúvida é um daqueles filmes que tem o chamado plot twist, onde uma reviravolta perto do fim faz toda a diferença. Além do mais, ele tem uma psicologia profunda em sua constituição, por isso vale muito a pena assistir.


A JANELA SECRETA


Título Original: Secret Window
Ano: 2004
Atores principais: Johnny Depp, John Turturro, Maria Bello
Direção: David Koepp
Gênero: drama, suspense


Sinopse: Mort Rainey (Johnny Depp) é um escritor em crise, que acaba de se separar de sua esposa (Maria Bello) após tê-la flagrado com outro homem. Mort decide se isolar em uma cabana à beira do lago Tashmore, em busca de tranquilidade. Porém lá aparece John Shooter (John Turturro), que começa a atormentá-lo ao acusá-lo seguidamente de plágio.





Trailer:


https://www.youtube.com/watch?v=zr3Lt1GGuXo



quinta-feira, 20 de março de 2014

Depressão, Sim ou Não?


Quando você vê uma pessoa triste, quieta ou chorando por alguns dias qual a primeira coisa que lhe vem a cabeça? Sim, que a pessoa é "depressiva" ou que está com depressão. No artigo de hoje vamos ver que não é bem assim, vamos aprender um pouco sobre o que é e como se manifesta a depressão e desconstruir alguns preconceitos que estão instaurados em nossa cultura.


Como sempre gosto de fazer em meus artigos, o primeiro passo seria definir o que é depressão. A definição do dicionário é: "Estado patológico de sofrimento psíquico assinalado por um abaixamento do sentimento de valor pessoal, por pessimismo e por uma inapetência face à vida.". Parece conter bastante informação útil sobre o que percebemos de uma pessoa supostamente depressiva. Tristeza, raiva, alegria são sentimentos que fazem parte da constituição humana e só não os expressam pessoas com algum problema neurológico ou psicopatológico sério (psicopatas não expressam tristeza ou remorso, por exemplo). Depressão é um transtorno psicológico que afeta o físico e o emocional do sujeito, dificulta ou impede que ele exerça suas funções cotidianas, além de que gera um sentimento de vazio e angústia intensa, ocorrendo uma série de sintomas específicos e se prolongando por várias semanas. 

A tristeza tem um papel adaptativo, pois anuncia para os outros que aquele indivíduo está precisando de amparo, de ajuda. A tristeza pode aumentar significativamente e se desenvolver de formas bem distintas como consequência de vários fatores diferentes, internos ou externos. Daí a complexidade de definir  o quadro de Depressão, porque existem diversos tipos de Depressão e formas específicas dela se manifestar. Além disso, ela pode aparecer "anexada" a outros quadros clínicos de alteração psicológica, como Esquizofrenia, Transtorno por Abuso de Álcool, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Demência, só para citar alguns. E pode surgir sozinha, caracterizando o Transtorno Depressivo.


MELANCOLIA É DEPRESSÃO?

Melancolia é um estado de tristeza, um momento onde o indivíduo experimenta baixa energia para realizar suas atividades, sente-se fraco psiquicamente e manifesta alguns pensamentos negativos. Mas isso não é Depressão. Vários estados podem despertar a melancolia no ser humano, uma frustração, um problema, saudade de uma pessoa querida. O problema é quando essa melancolia se intensifica e começa a tomar outras formas. 

Algo bastante comum é quando perdemos um ente querido. O processo de tristeza pela perda de uma pessoa estimada por nós é chamado de Luto, e a elaboração desse luto é um processo natural desde que o homem pisou na Terra. Cada cultura tem sua maneira de lidar com esse processo, a nossa está muito associada ao apego e portanto, a dor vivenciada com muita intensidade. Em culturas africanas, por exemplo, o processo de luto é festivo, não há tristeza mas alegria porque para eles aquele indivíduo atingiu uma nova esfera de existência. Nosso modo brasileiro de encarar o luto é bem comum em qualquer parte: choro, comoção durante o velório e enterro e sentimento de melancolia intensa nos dias que se seguem. Todavia se o indivíduo não consegue elaborar esse luto, ou seja, se ele não consegue restaurar seu desejo de prosseguir com sua vida, com suas atividades cotidianas e se apega aquele sofrimento podemos estar diante de um caso de Depressão reativa por luto mal elaborado. Mas isso se a pessoa passa meses assim. Estar triste pela perda de alguém não torna essa pessoa doente de Depressão, ela pode sim estar melancólica e deprimida, mas a tendência é que sua psiquê se restabeleça aos poucos e que retorne ao seu cotidiano. Existe uma tendência atual de impedir que a pessoa vivencie esse luto, o que não é benéfico, uma vez que o ser humano deve passar pelas fases do sofrimento para que o equilíbrio emocional retorne, suprimir isso é fazer com que esse luto volte em algum momento do futuro de forma patológica prejudicando ainda mais a pessoa. É direito seu rir, se alegrar, se emocionar e sofrer. Ninguém quer sofrer, mas faz parte da vida.


E COMO SABER SE A PESSOA ESTÁ OU NÃO COM DEPRESSÃO?

Você pode suspeitar por conta do comportamento que vai dando várias pistas, embora somente o
especialista Psicólogo ou Psiquiatra possam melhor diagnosticar qualquer estado depressivo. Quando a pessoa exibe um quadro de tristeza muito prolongado, excesso de pensamentos negativos e autodepreciativos ("eu não presto", "não sei fazer nada", "sou muito feio", "nunca vou ser ninguém", apenas alguns exemplos), alterações no apetite e no sono e incapacidade de seguir com as atividades normais do cotidiano, é muito provável que esteja vivenciando algum tipo de estado depressivo. Outro sinal são comportamento autoagressivos, onde a pessoa se agride, ou exibe esse desejo e claro os pensamentos suicidas. Em todo caso, o paciente deve ser encaminhado para uma avaliação.


ALGUMAS CAUSAS DA DEPRESSÃO


Não vou entrar muito em termos de descrição nosológica, como sempre friso esse blog é para leigos e não uma tese de mestrado, então vou ser simplista e enumerar algumas das possíveis causas de estados de Depressão. Temos as causas internas e externas. Todo mundo imagina logo que aconteceu algo na vida de uma pessoa para que ela esteja naquele estado lastimável, mas nem sempre é assim. Muitas vezes uma queda na quantidade de neurotransmissores, substâncias químicas produzidas pelos neurônios que enviam informações a outras células, pode causar uma Depressão controlada apenas com medicação, por exemplo. 

Excessos de fracassos podem levar a pessoa a um desamparo prolongado que tem a possibilidade de culminar numa Depressão caso ele não desenvolva mecanismos adaptativos suficientes para lidar com as dificuldades no meio em que se encontra. Abuso de substâncias, principalmente drogas (lícitas ou ilícitas), podem gerar estados Depressivos, mais comumente álcool, cocaína e crack. Além desses fatores, outros transtornos psicológicos podem levar a estados depressivos e doenças físicas (pacientes com doenças terminais, ou crônicas como alguns tipos de reumatismo, fibromialgia, por exemplo.). 

Que fique claro aqui, Depressão não é frescura, não é invenção da pessoa, não é desculpa para não trabalhar, não é preguiça. Muita gente tem dificuldade de se colocar no lugar do outro, até compreensível visto que a Depressão é algo que gera um intenso sofrimento psíquico, mas não é uma simulação, é real e afeta a pessoa como um todo. É preciso respeitar e apoiar esse paciente na sua crise e acima de tudo, buscar uma ajuda para ele, uma vez que em muitos casos o paciente não tem forças para buscar ajuda.

Quaisquer dúvidas ou questões, fiquem à vontade para me mandar e-mails, comentários ou marcar uma consulta. Espero que essas informações tenham sido úteis.


Referências:

http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=53

CID -10 - Classificação dos transtornos mentais e de comportamento da CID 10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas - Organização Mundial de Saúde, trad. Dorgival Caetano, Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

DSM IV- Critérios Diagnósticos do DSM-IV, 4a ed, Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.




domingo, 9 de março de 2014

Desmistificando a Dependência Química



Quando o assunto é dependência química existem vários mitos que rondam o tema e uma série de informações baseadas no simples achismo ou numa replicação contínua de fatos nada científicos. Não pretendo escrever um texto longo demais, nem chato demais sobre o assunto, apenas esclarecer alguns pontos mais comuns sobre como a dependência química ocorre e como ela afeta o ser humano, a partir dos meus estudos e a experiência clínica atendendo esse público.


Primeiramente vamos romper com o mito de quem usa drogas é viciado. O vício é, na verdade, o resultado do uso contínuo daquela substância que causa uma alteração nos processos neuroquímicos do cérebro, seja bagunçando os neurotransmissores, seja aumentando os níveis de serotonina (substância que atua na regulação de vários estamos emocionais). Dessa forma, podemos nos viciar em várias coisas, não só em entorpecentes (cocaína, crack, etc), mas em coisas que encontramos no dia a dia, como refrigerantes, café, chocolate, sexo, jogos. 

Então primeiro temos que definir o que é o vício. Segundo o dicionário Aurélio: vício é "Disposição habitual para certo mal; mau costume". Mas podemos incrementar essa definição, uma vez que o vício é uma repetição de um comportamento nocivo, da qual o sujeito tem pouca consciência por estar tão inserido na busca por sensações agradáveis e/ou que alterem sua consciência. Logo, o vício seria o ato de abusar de uma substância ou comportamento, repetindo-o quase sempre sem controle de forma a atingir sensações de prazer ou alteração da consciência. 

Voltando a questão primordial, então você pode estar se perguntando "Então quem usa maconha, cocaína ou crack não é viciado, drogado?" A resposta é: depende. Uma pessoa pode usar vários tipos de droga (ou um só tipo) e não se viciar, tudo vai depender de uma série de fatores internos e externos. Ah, e drogado é quem está sob efeito de alguma droga (inclusos aí qualquer medicamento que altere as funções cognitivas), enquanto que usuário é aquela pessoa que usa determinado tipo de substância.


Para entender melhor a dependência química temos a questão da tolerância, que é a capacidade que cada organismo tem de "resistir" a essas substâncias alheias, sem provocar a vontade incontrolável de usa-la novamente. Algumas drogas são mais viciantes que outras, isso vai depender da composição química de cada uma, mas a tolerância vai variar de organismo para organismo. Enquanto uma pessoa pode se viciar em crack com um ou dois usos, outro pode levar semanas para adquirir os primeiros sinais de adicção. No momento em que o sujeito começa a buscar a droga cada vez mais, comprometendo sua vida social, familiar, laboral há uma grande chance de que ele esteja realmente viciado. Mas muitos utilizam drogas (lícitas ou ilícitas) e conseguem manter o emprego, as responsabilidades da vida sem maiores problemas. 



Outro mito é o de que uma droga mais leve leva ao uso de outras mais pesadas. Isso é amplamente difundido pela mídia e pelos leigos que tentam entender o fenômeno da dependência química. O uso de determinada droga está associado a diversos fatores, mas vamos enumerar alguns para ficar claro. Primeiro temos a questão do acesso a droga. O sujeito não vai atrás de heroína quando ele pode conseguir maconha ou cocaína com mais facilidade, então o suposto viciado em entorpecentes vai em busca do que está mais próximo dele e do seu círculo social. Se os amigos só bebem, a tendência é usar apenas o álcool, mas se os amigos bebem e fumam maconha esta droga se torna mais acessível para ele do que ir até uma boca de fumo atrás de crack, por exemplo. 

Outro fator é o que leva ao sujeito usar a droga, sua motivação para tal ato. Pode ter um fim "recreativo", como nas reuniões de amigos e festas, ou pode ser para reduzir a ansiedade e o stress (álcool e maconha, por exemplo), esquecer situações desagradáveis e conflitos mal resolvidos também é bastante comum. 

Um fator importante é o relacionamento consigo mesmo, uma vez que o uso da droga pode estar associado a comportamentos exclusivamente destrutivos e é aí onde vemos a maioria dos usuários nos programas policiais e nos noticiários. Quando, para este indivíduo, não há uma perspectiva, não há uma estrutura familiar, não há o básico para sua formação humana, o que resta é uma angústia existencial tão intensa que leva o indivíduo ao comportamento autodestrutivo, não apenas usando drogas variadas, mas desafiando a Lei ao cometer delitos e enfrentamento constante de vários tipos de autoridade.  

Como mencionado no início desse texto, não pretendo esgotar o tema neste artigo, mas sim informar melhor o leito sobre essas questões tão presentes em nossa atualidade. Não devemos brincar com nosso corpo experimentando essas substâncias e achando que não vamos nos viciar, pois isto seria uma roleta russa com nossa própria vida. Pode até ser fácil não acostumar o corpo com o uso de entorpecentes no começo, mas depois que está instaurado o processo de adicção as drogas é muito complicado lidar com isso uma vez que envolve aspectos psicossociais.  

Como leitura complementar, aí vai um texto de um neurocientista, o Dr. Carl Hart, sobre a questão da dependência.