domingo, 9 de março de 2014

Desmistificando a Dependência Química



Quando o assunto é dependência química existem vários mitos que rondam o tema e uma série de informações baseadas no simples achismo ou numa replicação contínua de fatos nada científicos. Não pretendo escrever um texto longo demais, nem chato demais sobre o assunto, apenas esclarecer alguns pontos mais comuns sobre como a dependência química ocorre e como ela afeta o ser humano, a partir dos meus estudos e a experiência clínica atendendo esse público.


Primeiramente vamos romper com o mito de quem usa drogas é viciado. O vício é, na verdade, o resultado do uso contínuo daquela substância que causa uma alteração nos processos neuroquímicos do cérebro, seja bagunçando os neurotransmissores, seja aumentando os níveis de serotonina (substância que atua na regulação de vários estamos emocionais). Dessa forma, podemos nos viciar em várias coisas, não só em entorpecentes (cocaína, crack, etc), mas em coisas que encontramos no dia a dia, como refrigerantes, café, chocolate, sexo, jogos. 

Então primeiro temos que definir o que é o vício. Segundo o dicionário Aurélio: vício é "Disposição habitual para certo mal; mau costume". Mas podemos incrementar essa definição, uma vez que o vício é uma repetição de um comportamento nocivo, da qual o sujeito tem pouca consciência por estar tão inserido na busca por sensações agradáveis e/ou que alterem sua consciência. Logo, o vício seria o ato de abusar de uma substância ou comportamento, repetindo-o quase sempre sem controle de forma a atingir sensações de prazer ou alteração da consciência. 

Voltando a questão primordial, então você pode estar se perguntando "Então quem usa maconha, cocaína ou crack não é viciado, drogado?" A resposta é: depende. Uma pessoa pode usar vários tipos de droga (ou um só tipo) e não se viciar, tudo vai depender de uma série de fatores internos e externos. Ah, e drogado é quem está sob efeito de alguma droga (inclusos aí qualquer medicamento que altere as funções cognitivas), enquanto que usuário é aquela pessoa que usa determinado tipo de substância.


Para entender melhor a dependência química temos a questão da tolerância, que é a capacidade que cada organismo tem de "resistir" a essas substâncias alheias, sem provocar a vontade incontrolável de usa-la novamente. Algumas drogas são mais viciantes que outras, isso vai depender da composição química de cada uma, mas a tolerância vai variar de organismo para organismo. Enquanto uma pessoa pode se viciar em crack com um ou dois usos, outro pode levar semanas para adquirir os primeiros sinais de adicção. No momento em que o sujeito começa a buscar a droga cada vez mais, comprometendo sua vida social, familiar, laboral há uma grande chance de que ele esteja realmente viciado. Mas muitos utilizam drogas (lícitas ou ilícitas) e conseguem manter o emprego, as responsabilidades da vida sem maiores problemas. 



Outro mito é o de que uma droga mais leve leva ao uso de outras mais pesadas. Isso é amplamente difundido pela mídia e pelos leigos que tentam entender o fenômeno da dependência química. O uso de determinada droga está associado a diversos fatores, mas vamos enumerar alguns para ficar claro. Primeiro temos a questão do acesso a droga. O sujeito não vai atrás de heroína quando ele pode conseguir maconha ou cocaína com mais facilidade, então o suposto viciado em entorpecentes vai em busca do que está mais próximo dele e do seu círculo social. Se os amigos só bebem, a tendência é usar apenas o álcool, mas se os amigos bebem e fumam maconha esta droga se torna mais acessível para ele do que ir até uma boca de fumo atrás de crack, por exemplo. 

Outro fator é o que leva ao sujeito usar a droga, sua motivação para tal ato. Pode ter um fim "recreativo", como nas reuniões de amigos e festas, ou pode ser para reduzir a ansiedade e o stress (álcool e maconha, por exemplo), esquecer situações desagradáveis e conflitos mal resolvidos também é bastante comum. 

Um fator importante é o relacionamento consigo mesmo, uma vez que o uso da droga pode estar associado a comportamentos exclusivamente destrutivos e é aí onde vemos a maioria dos usuários nos programas policiais e nos noticiários. Quando, para este indivíduo, não há uma perspectiva, não há uma estrutura familiar, não há o básico para sua formação humana, o que resta é uma angústia existencial tão intensa que leva o indivíduo ao comportamento autodestrutivo, não apenas usando drogas variadas, mas desafiando a Lei ao cometer delitos e enfrentamento constante de vários tipos de autoridade.  

Como mencionado no início desse texto, não pretendo esgotar o tema neste artigo, mas sim informar melhor o leito sobre essas questões tão presentes em nossa atualidade. Não devemos brincar com nosso corpo experimentando essas substâncias e achando que não vamos nos viciar, pois isto seria uma roleta russa com nossa própria vida. Pode até ser fácil não acostumar o corpo com o uso de entorpecentes no começo, mas depois que está instaurado o processo de adicção as drogas é muito complicado lidar com isso uma vez que envolve aspectos psicossociais.  

Como leitura complementar, aí vai um texto de um neurocientista, o Dr. Carl Hart, sobre a questão da dependência. 

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