sexta-feira, 20 de junho de 2014

Ensinando e Educando Crianças

Muitas pessoas me perguntam qual a melhor forma de criar seus filhos e muitos pais questionam como lidar com certos comportamentos das crianças que são inadequados, irritantes ou ambos. O objetivo desse texto é dar algumas sugestões e analisar o comportamento infantil que venho presenciando na atualidade.

O que os pais tem que ter em mente é que não existe um manual "Como Criar seu Filho". Podem até existir livros de autoajuda que falem sobre isso (eu não conheço, mas sei que estão por aí), todavia não podemos tratar o comportamento humano como receita de bolo, muito menos o comportamento de um ser em desenvolvimento. Muitos desses livros não são escritos por profissionais que lidam com o comportamento humano (Psicólogos e Psiquiatras). Desta forma, não irei "dar dicas", mas sim sugestões que pais e educadores podem adotar ou não para buscar compreender o comportamento da criança de acordo com cada contexto.

Antes de mais nada, é indispensável fazer uma breve análise histórica e social para entendermos um pouco o contexto atual. As pessoas mais velhas sempre usam o discurso de que "antigamente bastava meu pai olhar e eu obedecia", ou que "tínhamos medo do nosso pai/mãe então não nos comportávamos mal". Utilizam inclusive o argumento do castigo físico como justificativa para um bom comportamento, "antigamente podia bater, hoje não pode mais, por isso as crianças não respeitam mais os pais" ou "o problema desse menino é falta de peia". São frases de pais de crianças que atendi no consultório e que com absoluta certeza você já ouviu isso em algum lugar (ou mesmo pensou em alguma delas). Analisemos a situação sócio-histórica.

Há vinte, trinta ou mais anos atrás as famílias eram mais numerosas, ou seja, os casais tinham mais filhos, o pai geralmente era o provedor da casa enquanto a mãe tratava de cuidar do lar e dos filhos. Mesmo trabalhando o dia todo o pai estava presente durante a noite e havia algum tipo de contato familiar. Com o passar dos anos, das mudanças político-econômicas e sociais, a mulher foi saindo desse espaço de submissão; agora só o salário do homem não era suficiente para sustentar a família e os casais viam que o excesso de filhos se convertiam em excesso de despesas. O resultado é que muitas famílias passaram a ter menos filhos e que as mães passaram a ter que encarar jornadas de trabalho para complementar a renda. Os filhos passaram a ser cuidados por terceiros (babás, avós ou creches). É esse cenário que pretendo analisar.


A ausência dos pais no ambiente familiar é um fator determinante para o comportamento de qualquer criança. É nos pais que a criança se espelha, que aprende como deve se portar em determinadas situações, que é ensinada a distinguir o que é certo (ou mais adequado para seu contexto) do que não é. Mas e quando os pais trabalham jornadas exaustivas e chegam em casa tarde da noite quando os filhos já estão dormindo, ou tem contato com os filhos durante a semana apenas quando vão buscá-los na escola/reforço/natação etc? As crianças tentam se adaptar a essa ausência e o responsável por aquela educação primária que falamos no começo desse parágrafo fica a cargo de terceiros que nunca vão ocupar a função materna/paterna adequadamente. A criança tenta se adaptar. Ela sabe quem são seus pais, mas nunca os tem por perto, não tem ninguém para frear seus instintos primários, os cuidadores nem sempre exercem autoridade com a criança ou são pacientes. O que acontece? Isso mesmo, reclamações sobre como a criança se comporta mal.

A criança como qualquer ser reage ao que ela experiencia em seu meio. Experienciar a ausência dos pais geralmente não é bom, gera ansiedade e desconforto na criança o tudo o que chamamos de comportamentos negativos são na verdades tentativas da criança a se adaptar aquilo que ela vivencia e sente. Está na moda dizer que as crianças são hiperativas, recebi muitas queixas dessas no consultório e 99% se tratava apenas da ausência dos pais ou na inabilidade deles lidarem com as ações dos filhos. Vamos parar com essa mania de diagnosticar as crianças e chamá-las de hiperativas. Leiam esse artigo meu sobre o tema. 

O leitor então deve estar se perguntando: "Então porque meu filho(a) não para quieto? Porque ele bate e morde os colegas? Porque ele não me obedece? Porque não quer comer? Porque dorme tarde?" A resposta é simples: ausência de pais mais presentes que imponham regras e limites.  Como ser em desenvolvimento pleno, muitas vezes a criança vai agir em cima do seu desejo ou vontade, mas ela não tem a maturidade necessária para saber ainda o que é melhor para ela, por isso a importância dos pais 
nesse processo, pois eles vão direcionar e frear esses desejos.

Assim como a vida em sociedade vivida pelos pais é regida por regras, a vida da criança também deve ser. Se a criança aprende e consegue internalizar essas regras desde pequena isso ajudará não só no seu desenvolvimento pessoal, mas social também. A criança deve ter hora para acordar, dormir, comer, banhar, brincar, estudar. Não precisa ser algo rígido como um quartel, mas deve ser algo que os pais busquem para melhor lidar com seu filho. No momento que os pais aprendem a direcionar a energia da criança ela deixa de ser destrutiva ("o menino danado") para ser construtiva/integradora. Se a criança quebra as regras ela deve ser punida, mas não necessariamente com castigos físicos, ela deve ser ensinada sobre seu erro e orientada a buscar não cometê-lo. A repetição do erro pode custar perdas como forma de castigo (não vai para a casa dos colegas, não vai jogar vídeogame, usar o computador) ou seja, retirar algo importante para a criança para que ela entenda que suas ações negativas terão consequências desagradáveis.

Em algum momento pode ser que isso não seja o suficiente e que um castigo físico seja necessário, como uma chinelada ou uma palmada. Mas não confundam isso com espancamento, por isso a famigerada "Lei da Palmada" foi aprovada, por conta de pais (provavelmente ausentes) que não davam conta do comportamento dos filhos e começaram a agredir os filhos e espancá-los achando que isso resolveria o problema. Pelo contrário, o excesso de castigos físicos, de agressões e espancamento perde o sentido para a criança em algum momento não surte nenhum efeito positivo em seu comportamento, pelo contrário, pode levar a criança a se tornar desde um indivíduo ansioso, deprimido até mesmo violento.


Algumas sugestões que posso passar para pais e educadores são:

- Ouçam a criança. Um grande erro é nunca ouvir o que a criança tem a dizer ou achar que a criança estáa mentindo. Já atendi diversos casos de abuso sexual onde as crianças relataram que os pais não acreditaram no que elas diziam. Embora o exemplo do abuso fuja ao nosso contexto, foi citado para mostrar a importância de se ouvir o que a criança tem a dizer.

- Seja imparcial. Se você tem dois filhos nunca priorize um, nunca facilite as coisas para um deles ou seja mais brando. O que vale para um deve valer para o outro. Se você deu uma ordem ou um castigo para a criança faça ela cumprir a não ser que alguma coisa no contexto mostre que você pode ser flexível naquela vez, mas em geral a criança precisa saber que a mãe nem o pai vai tomar partido por ela. Significa que se o pai colocou o castigo só ele pode retirar e vice versa para a mãe. 

-Pais, evitem conflitos de autoridade na frente da criança. Se forem discutir, discutam longe dela ou de preferência na ausência da criança. É muito ruim quando a criança presencia as brigas dos pais sobre "quem manda nele". Ambos são responsáveis por esse filho e devem compartilhar a responsabilidade. Os limites do comportamento do filho devem ser acordado por ambos.


-A criança tem que brincar, mas é preciso encontrar o equilíbrio entre o brincar e outras atividades. Deixar a criança muito tempo "solta", sem nada para fazer pode ser ruim, ao mesmo tempo que entupir o dia da criança com aula de tudo quanto é coisa também não é adequado. É importante direcionar a criança para atividades lúdicas e produtivas, todavia pelo menos algumas delas devem despertar interesse na criança, ou podem se tornar uma "tortura" e desencadear os comportamentos inadequados 
descritos nesse texto.


-Ter regras e obedecê-las. Toda casa tem regras e deve haver uma cobrança para que sejam seguidas. Se a criança é ensinada desde pequena ela vai internalizar aquele aprendizado e o levará para a vida adulta. Isso vale desde a organização do quarto até os conceitos morais e religiosos.


-Saber punir. A grande dificuldade dos pais de hoje é saber punir. Muitas vezes é mais fácil bater do que conversar, gritar do que explicar. Cuidar de filhos não é fácil, mas quanto menos paciência e educação você der ao seu filho menos paciente e educado ele será. Lembre-se pai/mãe de seu filho é reflexo da forma como você o trata e cuida. Eu sempre aconselho que quando a criança faz algo que não devia você deve alertá-la, chamar sua atenção de forma tranquila. Olhe nos olhos da criança e faça com que ela preste atenção no que você está falando. Seja firme, mas sereno. Se ela volta a cometer a mesma falta ameace o castigo. Se ela repete aplique o castigo (exemplos de castigos foram dados texto acima) e a faça cumprir o castigo e entender porque está sendo castigada. Em último caso se for necessário a palmada/chinelada.

-Brinque com seu filho. Tenha um tempo com ele, converse com ele. Mesmo com o trabalho e a correria do dia a dia tire um tempo para estar plenamente com seu filho. Isso faz toda  diferença. Pergunte a ele da escola, dos amigos, das brincadeiras.


-Nos dias de hoje com o advento da tecnologia as crianças estão tendo acesso mais cedo a dispositivos eletrônicos. Particularmente não acho isso saudável. Não deixe que seu filho fique imerso demais na tecnologia e se isole. Estimule a socialização. Leve ele para interagir com outras crianças fora do ambiente escolar. Socialização infantil é essencial para o desenvolvimento. 


-Saiba elogiar as boas ações do seu filho, assim como você sabe repreender as más. Muitos pais esquecem de elogiar. O elogio fortalece a probabilidade da criança repetir as boas ações, afinal para os pequenos a aprovação dos pais é bastante importante. 


-Evite permutas. "Vou te dar isso se você fizer isso". A criança pode internalizar que tudo que ela vai fazer requer uma recompensa. Ela deve fazer porque é obrigação, porque é o certo ou porque é importante, não porque vai ganhar um bem material.


-Não ponha na escola a responsabilidade pela educação dos seus filhos. Essa responsabilidade é dos pais, a criança vai levar para escola o que aprende em casa e levar para casa o que aprende na escola mas o ambiente primário dela é o lar e é onde ela deve aprender sobre o que é ou não permitido.


Isso não é receita de bolo! São sugestões como disse para que os pais e educadores possam adaptar a sua realidade, porque cada lar, cada família, cada criança tem suas particularidades. Tenham em mente que para cuidar de uma criança e educá-la bem é balancear amor e disciplina: qualquer um desses dois em excesso pode ser prejudicial.

OBS: Já atendi algumas crianças na clínica, hoje em dia não atendo mais esse público, uma vez que os pais são fundamentais nesse processo e a maioria não se implica na terapia, gerando poucos sucessos. Sempre existe o discurso "Mas doutor, eu não tenho tempo". São as escolhas que fazemos.