sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Psicoterapia e Medicalização do Sujeito

Muito se discute sobre a necessidade do uso de medicação psicoativa e da eficácia da psicoterapia. Nesse breve artigo tentarei falar de ambas, sua importância e a necessidade de cada uma. 

Vivemos num futuro onde a maioria das doenças são curáveis através de vacinas, de máquinas especiais ou de remédios. Medicamentos são drogas que agem no corpo, alterando a bioquímica das células de modo a alcançar um efeito específico. Numa definição mais específica, medicamento é:

"Toda a substância ou associação de substâncias apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas de doenças em seres humanos ou dos seus sintomas ou que possa ser utilizada ou administrada no ser humano com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou, exercendo uma ação farmacológica, imunológica ou metabólica, a restaurar, corrigir ou modificar funções fisiológicas"

Em medicina é um recurso bastante utilizado para tratar inúmeras moléstias, mas quando chegamos no campo da saúde mental esbarramos em vários pré-conceitos, estigmas e inverdades e práticas desnecessárias que muitas vezes dificultam a adesão do tratamento e trazem descredibilidade ao tratamento Psicológico e Psiquiátrico. Acontece que as drogas psicoativas (ou substância psicotrópica, é uma substância química que age principalmente no sistema nervoso central, onde altera a função cerebral e temporariamente muda a percepção, o humor, o comportamento e a consciência) evoluíram muito ao longo dos anos, embora muitas vezes sejam utilizadas de forma indevida. 

Acontece que quando é feito o diagnóstico Psicológico/Psiquiárico, muitas vezes se faz necessário o uso de medicamentos específicos para ajudar no tratamento; drogas que vão aliviar o mal estar, reduzir a ansiedade, o medo, aliviar a sensação de tristeza e pânico, reduzir a insônia, eliminar as alucinações e os pensamentos delirantes e o comportamento maníaco. Os medicamentos psicoativos servem para uma infinidade de quadros sintomatológicos e tem sua eficácia comprovada através de estudos médicos, neurológicos e neuropsicológicos. 

Entretanto, por conta da falta de preparo, humanização ou boa vontade do profissional o paciente nem sempre é informado do seu diagnóstico e na grande maioria das vezes também não é orientado acerca da medicação que está fazendo uso. Toma os "remédios pra cabeça"(ou para os nervos) sem saber para que servem, seus efeitos, etc. Dependendo do paciente isso pode até ser irrelevante, mas mesmo um paciente que não responde pelos atos da vida civil, como um paciente com algum grau de retardo mental, esquizofrenia ou psicose, a família deveria ser informada sobre tudo, afinal faz parte do tratamento.

Pela minha experiência cotidiana existe uma prática entre muitos profissionais da psiquiatria que é a de apenas medicar o paciente, muitas vezes sem ouvi-lo realmente, sem conhecer sua queixa real, sua necessidade, pondo toda responsabilidade da cura no medicamento. Uma vez que o sujeito é colocado em segundo plano, a melhora ou a "cura" dessa pessoa acaba tomando um rumo incerto, uma vez que essa medicação psicoativa atua nos sintomas dos transtornos psicológicos e não na causa, assim sendo apenas aliviam e mascaram o problema.


QUAL O PAPEL DA PSICOTERAPIA?

Aliado ao diagnóstico e a medicação existe a psicoterapia. Sua definição é:




"Um tipo de terapia, cuja finalidade é tratar os problemas psicológicos, tais como depressão, ansiedade, dificuldades de relacionamento, entre outros problemas de saúde mental. É um processo dialético efetuado entre um profissional, o psicoterapeuta - que pode ser psicólogo ou psiquiatra - , e o cliente ou paciente".


Os objetivos da psicoterapia são:

-Restabelecer o funcionamento psíquico do paciente para que volte ao estado de equilíbrio;
-Permitir que o paciente compreenda o que acontece com ele a nível psicológico, emocional e comportamental para que possa encontrar recursos psíquicos para lidar com suas dificuldades, problemas, etc;
-Desenvolver meios de agir no mundo, estratégias, redefinindo suas atitudes, pensamento e modo de encarar a vida;
-Solucionar problemas pontuais, que o afligem (como a perda de um ente querido, por exemplo), bem como, tratar de questões de cunho mais existencial.

Você deve estar se perguntando se para tratar tudo isso é necessário medicação e a resposta é: não. Muitos problemas que chegam aos consultórios de Psicologia/Psiquiatria poderiam ser trabalhados apenas com psicoterapia, sem necessidade de medicação, embora muitos psiquiatras acreditem que o seu maior poder esteja na prescrição dessas drogas e muitos pacientes julguem que somente essas drogas vão tirá-los de seu problema. Esse é um erro tão comum, mas tão gritante que deveria ser esclarecido ao pacientes pelos bons profissionais que trabalham na área. Um bom diagnóstico vai delimitar a real necessidade ou não da medicação.

Deixo claro aqui que algumas condições clínicas são crônicas e o uso da medicação é imprescindível, até mesmo pelo resto da vida como nas esquizofrenias, psicoses, transtorno obsessivo compulsivo, transtornos de personalidade (borderline, por exemplo). Nesses casos é fundamental o uso contínuo da medicação que melhor se adequar ao paciente, mas também se faz necessário a psicoterapia para ajudar o paciente a lidar com seus sintomas, com sua angústia e aprender melhor sobre seu transtorno de modo que possa ter uma qualidade de vida.


A farmacologia e a psicoterapia não devem ser inimigas, mas aliadas. Minha crítica gira em torno a penas do uso desnecessário de medicamentos em situações que o paciente pode lidar com a ajuda da psicoterapia, sendo que muitas vezes é encorajado por médicos (clínicos ou psiquiatras) a usar determinada medicação como forma de alívio imediato dos sintomas. O problema é que o sintoma aliviado não some, muitas vezes ele muda de lugar e cresce como um monstro que começa a devorar o sujeito por dentro. Sem um trabalho terapêutico de pouco adianta a medicação, ela irá só amenizar os sintomas físicos, mas não dará autonomia para o paciente para compreender suas dificuldades reais e lidar com ela. Outra questão é que a medicalização desnecessária possa criar pessoas dependentes de certas classe de remédios, os famosos tarja preta. Já atendi pessoas dependentes de diazepam, por exemplo, que usavam a droga há 30 anos sem necessidade alguma.

Desta forma, sempre questione seu médico sobre a real necessidade do medicamento, sobre seus efeitos no seu corpo e sobre os benefícios de usá-lo. Para finalizar, lembro de uma vez em que eu estava com muita insônia e fui a um clínico geral, já esperando que ele fosse me medicar com algum sedativo, como é de praxe. Depois de duas horas de consulta (isso mesmo, duas horas, enquanto que muitos médicos passam dez minutos para examinar um paciente), o simpático doutor cuja filha era psicóloga me deu orientações em como lidar com meu estresse e não me passou NENHUM remédio. Pela primeira vez na vida saí de um consultório médico sem receita. Quem dera existissem mais profissionais médicos assim, com um olhar mais humano e menos biológico/farmacológico.




Referências:

Vida Celeiro - Revista de Saúde, Beleza e Bem-estar. N.º16 - Inverno 2012. Pág.26

http://www.dre.pt/pdf1s/2006/08/16700/62976383.pdf

http://www.infoescola.com/psicologia/psicofarmacologia/