sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Uma Breve História sobre a Loucura

A humanidade vive com a loucura desde o seu surgimento, tendo adotado as mais diferentes práticas com o objetivo de curar o louco ou simplesmente afasta-lo da sociedade. 

O louco era visto como alguém excêntrico, ou possuído pelo demônio, devido ao seu comportamento que sempre se distanciava do que era considerado o padrão para uma determinada época/sociedade. 

Na Grécia antiga, a loucura era tida como um saber divino, e os loucos eram vistos como mensageiros dos deuses, pessoas que tinham um dom especial capazes de ver um mundo que ninguém mais consegue. Nessa época a loucura encontrou um espaço na sociedade; não era necessário banir ou controlar o louco, uma vez que ele era instrumento divino; suas visões inspiravam as pessoas que buscavam conselhos, as vozes que ouviam eram atribuídas aos deuses que sussurravam aos seus ouvidos. Filósofos ouviam os loucos e traçavam vários diálogos com eles, buscando explicar os fenômenos da natureza e o próprio fenômeno humano.

Foi na Idade Média que a coisa ficou ruim para os mentalmente incapazes. Esse foi um período de forte dominação religiosa e perseguição daqueles que eram contra a igreja, um tempo onde crenças surgiam e o misticismo era visto como algo demoníaco, herético. Pessoas com epilepsia, quando tinham ataques e convulsionavam, eram ditas estarem possuídas pelo demônio, ou enfeitiçadas. A ignorância e o medo se tornaram armas implacáveis, levando esses pobres enfermos a alimentarem as fogueiras da Inquisição. Os loucos não eram mais sábios, mas hereges possuídos pelo diabo e sua única redenção era pela tortura e pelo fogo. 


Na Renascença o louco entra, pela primeira vez, na categoria de doente, mas ao invés de tratamento ele deve ser excluído da sociedade. Os loucos falam o que as pessoas não querem ouvir, falam de coisas fantásticas, quase um retorno ao divino, como era nos tempos dos gregos. Entretanto não há lugar na sociedade para esse tipo de indivíduo, cuja mente é estranha, diferente, cuja aparência e discurso são assustadores. É então que se tem a ideia de colocar os loucos em navios, que vagavam sem destino e ocasionalmente chegavam a algum lugar, onde novamente eram excluídos, tornando-se párias permanentes da sociedade.

Por volta do século VIII, a moralidade incentivou a sociedade a criar locais onde poderia "guardar" seus excluídos: prostitutas, pessoas com várias doenças venéreas, mendigos, aleijados. Os loucos foram acrescentados a esse círculo, pois eles também eram excluídos. Não eram locais para tratamento, apenas para afastar a escória das pessoas decentes. Foi nessa época que um médico, o Dr. Pinel, passou a ver a doença mental como algo que necessitava de atenção e rompeu correntes e paradigmas que até então prendiam os loucos, levando-os para os primeiros manicômios. Entretanto, a doença mental era tratada como um desvio de caráter moral, sendo os tratamentos baseados na "forma correta" como aqueles indivíduos deviam agir no meio social. No entanto, com o passar do tempo, o tratamento moral de Pinel vai se modificando: permanecem as idéias corretivas do comportamento e dos hábitos dos doentes, porém como recursos de imposição da ordem e da disciplina institucional. 

No século XIX, o louco é um doente e precisa de tratamento específico, que consistia em medidas físicas como duchas, banhos frios, chicotadas, máquinas giratórias e sangrias. É a época do surgimento da Psiquiatria, o saber médico aliado ao conhecimento científico buscando entender e tratar a loucura. O louco não tem voz ou credibilidade, ser taxado de louco é sinônimo de ser desacreditado por todos. Há um medo mais ainda da loucura, pois pior do que viver num mundo alheio ao das outras pessoas é ser completamente ignorado. Os médicos conversam com seus pacientes na tentativa de compreender os transtornos mentais, dissecam cérebros na tentativa de encontrar no órgão a causa do comportamento inadequado. A ciência tenta avançar mesmo que de forma rudimentar.  

A tradição do início do século XIX até metade do século XX permanece. Há avanços na ciência, mas o louco ainda é tratado como animal, submetido a tratamentos que estão mais próximos da tortura do que de uma terapia. Ainda reina um moralismo poderoso, uma vez que masturbação compulsiva, sexo fora dos padrões e desvios de caráter e homossexualismo são considerados loucura. Os manicômios estão em toda parte. Apesar do avanço da Psicologia, a Psiquiatria ainda vê a causa da doença mental como algo orgânico. 

É então que no final do século XX se inicia no Brasil, no final da década de 70, a mobilização dos profissionais da saúde mental e dos familiares de pacientes com transtornos mentais. Esse movimento se inscreve no contexto de redemocratização do país e na mobilização político-social que ocorre na época. Essa é a semente da Reforma Psiquiátrica, que viria a germinar anos mais tarde, reformulando não só a forma de tratar e acomodar o "louco", mas de reinseri-lo no convívio social.



Importantes acontecimentos acontecem no Brasil, como a intervenção e o fechamento da Clínica Anchieta, em Santos/SP, e a revisão legislativa proposta pelo então Deputado Paulo Delgado por meio do projeto de lei nº 3.657, ambos ocorridos em 1989, impulsionam a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Em 1990, o Brasil torna-se signatário da Declaração de Caracas a qual propõe a reestruturação da assistência psiquiátrica, e, em 2001, é aprovada a Lei Federal 10.216 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Dessa lei origina-se a Política de Saúde Mental a qual, basicamente, visa garantir o cuidado ao paciente com transtorno mental em serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, superando assim a lógica das internações de longa permanência que tratam o paciente isolando-o do convívio com a família e com a sociedade como um todo.


E os profissionais de saúde mental lutam para desconstruir séculos da imagem que foi criada do louco, para um sujeito que padece de algum transtorno e precisa de apoio e acompanhamento especializado. Até hoje, mesmo com os avanços dos tratamentos, da evolução da Psicologia, dos fármacos, as pessoas ainda temem a doença mental, as maioria das famílias não querer se responsabilizar pelo cuidado dessa pessoa, muitas vezes desejando que o Estado o assuma. Mas o maior objetivo da Reforma Psiquiátrica é a reinserção do "louco" na sociedade, porque talvez o louco veja o mundo de uma forma mais sã que nos. E nos em nossa ignorância tememos aquilo que não conhecemos. O homem parece o mesmo desde os tempos antigos, sempre isolando algo que teme, sempre fugindo daquilo que desconhece. 

Para terminar, só quero deixar claro que qualquer transtorno mental tem tratamento, embora muitos ainda não tenham cura, mas um acompanhamento especializado com medicação e psicoterapia pode garantir qualidade de vida a esse indivíduo, aliviar seu sofrimento, fazê-lo sentir-se aceito entre os seus e lhe dar a liberdade que séculos de medo e ignorância ceifaram.


Referências:

FOUCAULT, M. História da loucura. Ed. Perspectiva - SP, 1978.

http://www.ccs.saude.gov.br/vpc/reforma.html

http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/mostra/reforma.html

http://www.letraefel.com/2007/01/loucura-na-histria.html

http://www.ebah.com.br/content/ABAAAANGcAF/olhar-sobre-a-loucura-foucault