terça-feira, 30 de agosto de 2016

O QUE É EUTANÁSIA, ORTOTANÁSIA, DISTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO?

Existe muita desinformação e controvérsias acerca do direito de escolher a própria morte, em determinadas circunstâncias. Vamos então tentar esclarecer pontos importantes dessas condutas.



A morte sempre foi e sempre será um tema muito presente em relação a condição humana, não apenas por ser uma certeza absoluta da vida, mas também por todo mistério e tabu que a cercam. Diversos pensamentos filosóficos e religiosos buscam explicar a morte e dar sentido a vida humana, ao passo que a própria morte, em determinados momentos históricos e culturas, acaba se tornando um tabu. Com o avanço da medicina, prolongar a vida foi possível através da descoberta de vacinas, antibióticos e do tratamento de muitas doenças simples, na medida em que outras doenças mais sérias e incuráveis começavam a se expandir. Vencemos a varíola e a tuberculose, a poliomielite, mas fomos surpreendidos pelo HIV, pelo aumento nos casos de câncer, e não conseguimos vencer ainda as doenças degenerativas como a doença de Huntington, Parkinson e Alzheimer, assim como as doenças genéticas. Então surge uma tentativa de minimizar a dor causada por essas enfermidades, uma forma de aliviar o sofrimento do paciente. Não entrarei aqui no discurso moral ligado a certo e errado, o propósito desse texto é ser informativo. 

EUTANÁSIA, ORTOTANÁSIA, DISTANÁSIA E SUICÍDIO ASSISTIDO


Desde cedo, o acadêmico de medicina é moldado para enxergar a morte como “o maior dos adversários”, o qual deverá ser impiedosamente confrontado e vencido graças ao avanço da ciência, da tecnologia ou mesmo da competência individual. A morte de um paciente muitas vezes é, real ou simbolicamente, o atestado de falha, de que em algum ponto algo deu errado e não foi possível salvar o paciente. É, sem sombra de dúvida, uma carga de responsabilidade e estresse para o médico realmente compromissado com a missão de salvar vidas e garantir o bem estar de seus pacientes. Mas em algum momento a morte sempre sai vitoriosa e quando o médico sabe que esse momento vai chegar, é possível que ele possa cuidar de seu paciente apenas garantindo que sofra menos e viva seus últimos momentos de forma digna até sua partida. 

Justamente, o termo eutanásia é oriundo do grego, tendo por significado boa morte ou morte digna. Etimologicamente eutanásia, significa "morte boa" (eu = bom/boa; thánatos = morte) ou "morte sem grandes sofrimentos". 

"Foi usado pela primeira vez pelo historiador latino Suetônio, no século II d.C., ao descrever a morte “suave” do imperador Augusto: A morte que o destino lhe concedeu foi suave, tal qual sempre desejara: pois todas as vezes que ouvia dizer que alguém morrera rápido e sem dor, desejava para si e para os seus igual eutanásia (conforme a palavra que costumava empregar) (Suetônio, 2002). Séculos depois, Francis Bacon, em 1623, utilizou eutanásia em sua Historia vitae et mortis, como sendo o “tratamento adequado às doenças incuráveis”(apud Jiménez de Asúa, 1942)"

Existem alguns tipos de eutanásia, trago a definição de Neukamp (1937):

  •  Eutanásia ativa, ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins humanitários (como no caso da utilização de uma injeção letal);

  •  Eutanásia passiva, quando a morte ocorre por omissão em se iniciar uma ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida (por exemplo, deixar de se acoplar um paciente em insuficiência respiratória ao ventilador artificial);

  • Eutanásia de duplo efeito, quando a morte é acelerada como consequência de ações médicas não visando ao êxito letal, mas sim ao alívio do sofrimento de um paciente (por exemplo, emprego de uma dose de benzodiazepínico para minimizar a ansiedade e a angústia, gerando, secundariamente, depressão respiratória e óbito).



Já Martin, (1998) entende a eutanásia da seguinte forma:

  • Eutanásia voluntária, a qual atende uma vontade expressa do doente – o que seria um sinônimo do suicídio assistido;

  • Eutanásia involuntária, que ocorre se o ato é realizado contra a vontade do enfermo – ou seja, sinônimo de “homicídio”;

  • Eutanásia não voluntária, quando a morte é levada a cabo sem que se conheça a vontade do paciente.


De acordo com as Leis do nosso país a eutanásia é vista como homicídio, mas em países como Suíça, Bélgica e Holanda é considerada uma prática comum. Segue um vídeo que mostra um exemplo de eutanásia, de uma mulher que sofria com uma doença dolorosa mas não-letal e mesmo assim optou por morrer.





Ortotanásia é deixar que o paciente siga seu caminho natural para a morte sem aumentar-lhe a vida de forma artificial, ou seja, apenas o acompanhamento para que a morte seja menos sofrível possível e de forma natural. Alguns pacientes, em países europeus e nos EUA, por exemplo, tem ordens de não ressuscitação em caso de parada cardio-respiratória, o que abrevia sua existência e impede os esforços médicos de mantê-lo vivo.

Temos ainda a Distanásia, cujo primeiro significado veio em 1904 por Morcache, para caracterizar uma agonia prolongada que origina uma morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo lúcido. O termo é bastante utilizado hoje na intenção de designar a forma de prolongar a vida de modo artificial, sem perspectiva de cura ou melhora (Pessini, 2001). Pessoas em estado vegetativo que vivem através de aparelhos são um exemplo de distanásia. 

Outro conceito que é confuso, o suicídio assistido (também chamado de morte assistida) é quando uma pessoa solicita o auxílio de outra para morrer, caso não consiga matar-se por si mesma. No suicídio assistido o paciente está consciente e verbaliza seu desejo de morrer, enquanto que na eutanásia, nem sempre o paciente está consciente. Um exemplo disso seria um paciente em coma, mantido vivo com ajuda de aparelhos. Nesse exemplo a eutanásia seria então autorizada por um membro da família.



Referências:

SIQUEIRA-BATISTA, Rodrigo. SCHRAMM, Fermin Roland. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. Ciência & Saúde Coletiva, 9(1):31-41, São Paulo, 2004.

PESSINI, L. Distanásia. Até quando prolongar a vida? São Camilo-Loyola, São Paulo, 2001.

Martin LM. Eutanásia e distanásia, pp 171-192. In SIF Costa, G Oselka & V Garrafa (orgs.). Iniciação à bioética. Conselho Federal de Medicina, Brasília. 1998.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

O QUE É DEPRESSÃO PÓS-PARTO

Existem muitos mitos e desinformação aceca da depressão pós parto, uma condição que afeta muitas mulheres e que é muitas vezes mal diagnosticada, o tratamento nem sempre é o correto e há riscos para a mãe e para o bebê. Falaremos um pouco disso no artigo de hoje.


O QUE É A DEPRESSÃO PÓS PARTO?

A gravidez é um processo natural, bastante desejado por algumas mulheres que tem o desejo de ser mãe, mas que pode gerar muitas fantasias, medo e angústias, mesmo a mulher tendo todo suporte do seu companheiro e da família. Questionamentos como "será que vou dar conta?", "vou ser uma boa mãe?" podem criar no imaginário dessa mãe uma cacofonia de pensamentos desencadeando ansiedade e enfraquecendo sua auto confiança. 

A depressão pós-parto ou DPP é um problema de saúde pública e ocorre, em geral,  nas primeiras quatro semanas após o parto, podendo se estender e atingir o ápice alguns meses depois. Os sintomas mais comuns apresentados por essas mulheres são desânimo, sentimentos de culpa, alterações do sono, ideias suicidas, medo/desejo de machucar o filho, alteração do apetite e diminuição da libido. Saber diferenciar sintomas depressivos e “sequelas normais” de dar à luz, como as alterações no peso,
sono e energia é um desafio que torna mais complicado ainda o diagnóstico clínico. 

Segundo Ruschi, Sun, Mattar, Filho, Zandonade, Lima: 
"... menos de 25% das puérperas acometidas têm acesso ao tratamento, e somente 50% dos casos de
depressão pós-parto são diagnosticados na clínica diária." 

Significa dizer que ainda existe um contingente de mulheres que não se tratam, por diversos motivos, desde falhas na rede de encaminhamento até carência de locais com atendimento especializado, assim como existe uma dificuldade em diagnosticar o problema por parte dos profissionais de saúde. 

Alguns fatores psicossociais são associados a DPP, tais como baixa escolaridade, baixo nível econômico, baixo suporte social, histórico de transtorno psiquiátrico, baixa auto estima, stress, abuso de drogas, ansiedade pré-natal, gravidez não planejada, tentativa de interromper a gravidez, sentimentos negativos em relação à criança. Não significa que toda mulher que tenha DPP apresente todos esses fatores, mas que eles podem favorecer o surgimento da DPP. Mesmo assim, é possível uma puérpera com apenas um ou dois fatores de risco desenvolver DPP. 

Estudos epidemiológicos demonstram que a prevalência da DPP na população geral é de 10% a 20%, e em mães adolescentes adolescentes dos 14 aos 18 anos de idade essa taxa sobe para 26% (Troutman & Cutrona, 1990).

"A relação entre o período do pós-parto e as perturbações psiquiátricas foi reconhecida há cerca de 2000 anos atrás. Curiosamente, a primeira descrição de um caso de perturbação mental no pós-parto foi feita no século XVI por um médico Português, João Rodrigues de Castelo Branco, que na altura exercia em Roma ('de uma mulher que ao dar à luz se tornava melancólica e louca’) (Brockington, 1996, p.166)"

Existe ainda a psicose puerperal, que é quando a paciente apresenta sintomas de alucinações, delírios e perda de insight, rápidas oscilações do humor que podem incluir alternância entre humor deprimido e elevado ou irritabilidade, insonia ou pensamentos obsessivos. Estima-se que mais de 5% das mulheres possam cometer suicídio e que 2-4% representam um risco direto considerável para os seus
bebés (Knopps, 1993). Estudos têm mostrado que a maioria das mulheres com Psicose Puerperal
preenche os critérios para perturbação bipolar (Kendell et al., 1987; Kumar et al., 1995).

O parto é um dos fatores preponderantes no desencadeamento dos episódios bipolares, em mulheres vulneráveis (Brockington, 1996). Muitos estudos revelam que aproximadamente 65% destas irão sofrer episódios psicóticos subsequentes não puerperais (Benvenuti et al., 1992). Cerca de dois terços irão ter recaídas em gravidezes futuras. Contudo, comparativamente às mulheres que têm episódios de psicose não puerperal, as que sofrem de PP têm uma menor probabilidade de serem readmitidas em hospitais psiquiátricos e quando readmitidas a duração do internamento é menor (Platz & Kendell, 1988), sugerindo um melhor prognóstico. A PP costuma remitir após algumas semanas de tratamento.

Uma mulher com depressão pós parto ou psicose puerperal está sujeita a diversos riscos, dos quais podemos destacar suicídio, auto agressão, agressão ao bebê, dificuldade em cuidar da criança e de si mesma, incapacidade para voltar as atividades cotidianas. Desta forma é de suma importância que essa paciente esteja sempre acompanhada por alguém da família que possa dar suporte, jamais deixando-a sozinha.

O risco de suicídio é um dos maiores problemas deste quadro, portanto as orientações acerca de pacientes potencialmente suicidas se aplicam aqui, mesmo que não haja nenhum indício ou manifestação de comportamento suicida. Evitar que a pessoa tenha acesso fácil a cordas, instrumentos perfuro-cortantes, medicamentos, venenos e substâncias químicas, janelas abertas. Existem muitos casos relatados de suicídio de puérperas que não deram sinais da ideação e cometeram o ato por impulso, desta forma é preciso estar sempre atento e ter cuidado redobrado com estas pacientes.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO

O tratamento é feito através de medicação prescrita pelo psiquiatra e psicoterapia realizada por um psicólogo. O psicólogo irá tirar as dúvidas dos familiares, fornecer as orientações necessárias à família e ajudar a paciente a suportar esse período tão difícil. Já a medicação tem papel de amenizar os sintomas, auxiliar no controle da ansiedade, da angústia, da falta de sono e apetite, da apatia e/ou da agitação. Quando bem diagnosticado e tratado da forma correta o prognóstico é muito bom, no caso da DPP, em geral alguns meses após o início do tratamento a paciente começa a ter uma remissão dos sintomas. Com relação a Psicose Puerperal isso varia muito, depende muito de cada caso. É fundamental que a paciente seja sempre assistida pelos profissionais.

Temos que ter em mente que a mulher não escolhe estar assim, de forma alguma, é uma ignorância tremenda pessoas que culpam a paciente pelo seu estado. Existem fatores biológicos e psicossociais ligados a esse quadro, então é preciso que haja um entendimento de que é uma doença e que precisa ser tratada. Falo isso porque muitas pessoas não buscam o tratamento, acham que é besteira ou que imaginam "isso vai passar". Se essas pessoas falassem com um profissional e fossem devidamente diagnosticadas precocemente poderia se evitar muitas fatalidades.




Referências:

MORAESA, Inácia Gomes da Silva. PINHEIRO, Ricardo Tavares. SILVA, Ricardo Azevedo da. HORTA, Bernardo Lessa. SOUSA, Paulo Luis Rosa. FARIA, Augusto Duarte. Prevalência da depressão pós-parto e fatores associados. Rev Saúde Pública, 2006;40(1):65-70. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsp/v40n1/27117.pdf/> Acesso em: 02/08/2016.



RUSCHI, Gustavo Enrico Cabral. SUN, Sue Yazaki. MATTAR, Rosiane. FILHO, Antônio C. ZANDONADE, Eliana. LIMA, Valmir José de.  Aspectos epidemiológicos da depressão pós parto
em amostra brasileira. Rev Psiq 03. 2004.  Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/rprs/v29n3/v29n3a06> . Acesso em: 02/08/2016.


MAIA, Berta Maria Marinho Rodrigues. Perfeccionismo e depressão pós-parto. Tese de Doutoramento. Faculdade de Medicina de Coimbra, Portugal, 2011. Disponível em: <https://eg.sib.uc.pt/bitstream/10316/18179/1/Tese%20doutoramento_Berta%20Rodrigues%20Maia_pdf.pdf>. Acesso em: 02/08/2016.

BALONE, G. Depressão Pós-parto. Disponível em: <http://www.cemp.com.br/textos.php?id=40>. Acesso em: 02/08/2016.