terça-feira, 23 de janeiro de 2018

VÍCIO EM GAMES: UMA NOVA DOENÇA?


Desde que a mídia anunciou que a OMS- Organização Mundial da Saúde, vai considerar o vício em vídeo games como doença mental, a internet ficou em polvorosa, os adolescentes e outras pessoas que tem os games como diversão começaram a repudiar o fato, sem de fato entender o que estava acontecendo. Vamos falar um pouco sobre isso esclarecendo o porque dessa decisão. 


Antes de falar sobre vício em vídeo games é preciso entender o que é dependência, o que é compulsão para entender melhor os conceitos que serão trabalhados aqui.

Segundo Ballone, a definição de compulsão é: "...comportamentos compulsivos ou aditivos são hábitos aprendidos e seguidos por alguma gratificação emocional, normalmente um alívio de ansiedade e/ou angústia. São hábitos mal adaptativos que já foram executados inúmeras vezes e acontecem quase automaticamente."

São mal adaptados porque não se encaixam bem no bem estar do indivíduo, na vida social, familiar, etc., apesar de provocarem um alívio de tensão emocional. Além disso são comportamentos repetitivos, ocorrendo de forma frequente no cotidiano da pessoa. A vontade de realizar o ato vem, é difícil para o indivíduo resistir, gera muita tensão, a pessoa então cede, tem um alívio temporário por ter exercido o comportamento, mas imediatamente vem um sentimento de culpa, por não ter resistido. Alguns exemplos de compulsões são: jogos de azar, malhar, comprar, comer, trabalhar. 

Já dependência psicológica se caracteriza por é a necessidade de determinado comportamento para viver normalmente e sentir-se confortável. A dependência é justamente a relação da pessoa com o objeto do vício, gerando mal estar, estresse, angustia, ansiedade, na ausência desse objeto. Além disso, a importância que o objeto da dependência vem sempre em primeiro lugar, fazendo o indivíduo a negligenciar necessidades básicas, como higiene e alimentação. 

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM V, os comportamentos relacionado a jogo ativam os sistemas de recompensa do cérebro e podem ser comparados ao transtornos por uso de substância. Esse sistema de recompensa cerebral tem como função promover e estimular comportamentos que contribuem na manutenção da vida e da espécie, como a alimentação, proteção, sexo, entre outros, que quando ativado, proporcionará sensações de prazer e satisfação. O problema é que quando algo ativa esse sistema de forma significativa (como drogas, por exemplo, ou comportamentos que geram muito prazer) isso pode comprometer outros processos básicos, uma vez que pode aumentar as chances do indivíduo de repetir o comportamento para obter satisfação. Todavia, muitas outras variáveis entram nessa equação, então a questão cerebral não é totalmente determinante para uma compulsão ou dependência. 

É preciso avaliar se aquele indivíduo tem um bom relacionamento com as pessoas, se possui um bom enfrentamento de situações difíceis, tolerância a frustração, relacionamento familiar saudável, se tem algum transtorno mental (depressão, ansiedade, etc) ou predisposição para um (sabendo o histórico familiar de parentes próximos), etc. Quanto mais comportamentos negativos ou mal adaptados o sujeito tiver, mais propensão a algum desses problemas. 

MAS E OS VÍDEO GAMES? ELES PODEM VICIAR?

A resposta é sim. Como qualquer comportamento que gera satisfação ou prazer ativado pelo centro de recompensa cerebral games ou qualquer dispositivo eletrônico podem sim gerar comportamentos compulsivos ou dependência. Como a tecnologia dos celulares (e outros dispositivos eletrônicos, como tablets) é recente, ainda não está bem caracterizado nos manuais diagnósticos de saúde mental a questão de dependência e compulsão em relação a eles. Atualmente nos utilizamos critérios de transtornos já conhecidos para caracterizar a dependência em games. 

Segundo a OMS, esses são os comportamentos que caracterizam o transtorno de dependência em games:

1. Controle prejudicado sobre o início, frequência, intensidade, duração, término ou contexto de jogo;
2. Maior prioridade dada ao jogo na medida em que o jogo tem precedência sobre outros interesses da vida e atividades diárias;
3. A continuação ou escolha de jogos apesar da ocorrência de consequências negativas.

Em alguns países onde maratona de games são mais socialmente aceitáveis, há casos onde as pessoas morreram por uma combinação de exaustão, estresse, desnutrição e desidratação, enquanto estavam sentadas em frente ao vídeo game (ou computador) por dias a fio. Mas esse são casos mais extremos. é possível ter problemas de vício em games e não morrer, mas prejudicar muito a saúde, o convívio social e familiar. 

Já atendi casos onde o adolescente, compulsivo por jogos de computador, mal se alimentava, perdeu o ano escolar, não saía mais de casa o que comprometeu a relação com os amigos (isolamento), e sua família não sabia mais como proceder quando procuraram minha ajuda profissional. Entretanto, esperaram 2 anos para fazer isso e é um problema que se repete em muitos casos onde a família ou a pessoa demora muito tempo para procurar ajuda especializada. Quando mais cedo um transtorno é tratado, menos prejuízos para o indivíduo e melhor as chances de lidar com o problema. Quanto mais tempo se espera, mais cronificado fica o problema e mais complexo, embora não impossível, de tratar. Se o indivíduo está neglicenciando vários aspectos da sua vida, se passa um número exagerado de horas em games (ou outros dispositivos eletrônicos), se está isolado, se sua higiene e alimentação estão comprometidas, ele pode está incluso nos comportamentos descritos acima é hora de buscar ajuda.

Não é sensato demonizar os vídeo games, nem os celulares, tablets, etc porque atualmente são itens que tem muitos aspectos positivos. Existem muitas pesquisas e estudos que mostram o grande potencial dos vídeo games, seja para o aprendizado, seja para o desenvolvimento, seja para a recuperação de pessoas com algum tipo de limitação. Futuramente pretendo escrever sobre isso. Até a próxima!

Leia também meu artigo sobre vídeo games e violência, clicando aqui!


Referências:

https://www.popsci.com/who-video-game-disorder-addiction#page-3

http://www.cerebromente.org.br/n15/diseases/compulsive.html

Centre for Addiction and Mental Health (Centro para a Dependência e Saúde Mental). «What is addiction?». Addiction: An information guide. Consultado em 5 de fevereiro de 2012

https://museudinamicointerdisciplinar.wordpress.com/2014/09/21/neuroanatomia-do-sistema-de-recompensa-cerebral-e-dependencia-quimica/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5520128/